A primeira tarde ensolarada da 14ª Jornada de Literatura foi embasada no tema “Identidade, literatura e cultura na globalização”. O circo da cultura cedeu espaço para os convidados Gonçalo Tavares, Luiz Costa Lima, Maria Esther Maciel, Nilson Luiz May, Tatiana Salem Levy e Arthur Martins Cecim, que falaram sobre a construção da identidade cultural nos tempos de globalização.
O primeiro a pontuar observações acerca do tema foi o escritor português Gonçalo Tavares. Segundo ele, uma das funções do escritor é compreender as gerações anteriores e a criação de uma identidade cultural se dá através de hábitos comuns. “A memória é uma característica humana. Se perdemos a nossa memória, perdemos a nossa identidade”. O escritor ainda chamou a atenção para uma metáfora, explicando que somos como uma quarta-feira vesga: enxergamos de um lado o domingo que já passou – refletindo nosso apego ao passado – e de outro o domingo que está por vir – revelando nossa preocupação com o futuro.
Logo após, foi a vez da escritora Tatiana Salem Levy esboçar alguns conceitos sobre sua visão de globalização. Para ela, o conceito tange uma rede que se forma no mundo e que não possui fronteiras e que, por incrível que pareça, a faz ter nostalgia do tempo em que não existia internet e que dedicar alguns minutos para ler um livro não era uma tarefa que exigia certa resistência. “Eu vejo muitos aqui já disparando informações no Twitter e Facebook, e isso já me dá uma ‘coisa’, essa necessidade de estar sempre conectado, sabendo o que acontece nas redes”.
A apresentação seguinte ficou por conta do ocupante da cadeira nº 7 da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina, o médico e escritor Nilson Luiz May. Após uma breve retomada sobre sua trajetória literária, ele questionou público: “A globalização é um processo econômico e tecnológico. Onde, então, incluir a literatura e a cultura?”. Para May, temos um aspecto cultural de identidade que não nos permite estar preparados para dizer que o mundo está na internet e, partindo disso, propôs uma reflexão: “A informação está ao alcance das mãos, mas onde está a sabedoria?”. O médico/escritor falou ainda sobre a transformação da experiência em literatura, tendo como embasamento a vivência pessoal e transformando-a em ficção.
Na sequência do palco de debates, Arthur Martins Cecim – Prêmio SESC de Literatura 2010 – falou um pouco da sua obra. “Eu busco o realismo, tento descobrir nas questões finitas algo de infinito. Fujo da descrição, do relato, do antropocentrismo. Gosto de dar voz ao subjacente”. Ele abordou também o papel da globalização em aproximar diferentes culturas, mas alertou para os contras desse processo. Segundo Cecim, vivemos em uma era onde a liberdade de expressão é possível em suas mais fragmentadas formas, mas a parte tecnológica da globalização vai descaracterizando os discursos. “A tecnologia tende a espremer o homem. É um inimigo silencioso, porque pode desenraizar o homem do naturalismo. De qualquer forma, a literatura pura nunca vai ser trocada pela globalização”, conclui.
A literatura na era globalizada continuou em alta na fala da professora e escritora Maria Esther Maciel. Ela definiu a globalização como um intercâmbio de povos, de cultura e de informações, além de uma proliferação de saberes, cruzamento de referências e fragmento de várias línguas. Para a professora, a literatura oferece uma multiplicidade através de um elemento que hoje chamamos de hipertextualidade, só que mais “imediatizado”. “A internet possibilita muitas trocas, acesso a todas as bibliotecas do mundo sem sair do lugar, mas não podemos nos render às exigências da homogeneização, da padronização”, afirma. Para encerrar, Maciel contou que vê a identidade como uma combinatória de leituras, genes e experiências e que a rede que a literatura prefigura para o mundo contemporâneo é a história dentro de uma história.
O último convidado da tarde, o professor Luiz Costa Lima iniciou apresentando um conceito para a literatura: “é um discurso, um texto que supõe um movimento contraditório”. De acordo com Lima, nós temos um mundo de tecnologias cada vez mais velozes que levam a uma homogeneização progressiva e propõem um dilema: ou optamos por um mundo de velocidade eletrônica ou pela combinação de intensidade e caráter compacto que, nas palavras do professor, são “a face e contra-face da mesma unidade mínima de texto”.
O encerramento do palco de debates trouxe algumas proposições de Ignácio de Loyola Brandão. Para o autor, a globalização é um processo irreversível. Além disso, ele defende que as expressões regionais estão desaparecendo, se perdendo pela globalização. “Hoje, as pessoas tem vergonha de assumir de onde vêm. Elas falam, se vestem e se comportam como as novelas da Globo, como as pessoas do Leblon, mas apesar disso, a literatura é universal e sempre foi”, encerra.
A próxima edição do Palco de Debates acontece amanhã, dia 25, às 14 horas, na lona principal. O tema é “Diálogo, mídias e convergências” e os convidados são Edney Silvestre, Eliane Brum, João Alegria e Nick Montfort. Esperamos você lá!
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