Na coletiva concedida à imprensa, a coordenadora das Jornadas de Literatura afasta rumores sobre sua aposentadoria, celebra o início do processo de profissionalização na organização, comemora o sucesso de 30 anos de Jornadas e avisa: a próxima jornada começa a ser preparada tão logo a deste ano termine
“Espero que as pessoas saiam incomodadas.”
A provocação é típica da mulher que há 30 anos abraça como se fosse a comida de todos os dias a tarefa de levar à frente a organização de um evento único no mundo – e quem diz não são simpatizantes da causa, amigos ou habitantes da cidade de interior que se tornou capital de literatura. Basta relembrar nos anais de qualquer edição desses 30 anos de Jornada de Literatura para colecionar declarações entusiásticas ou abismadas de escritores, jornalistas, pensadores e artistas de todo o mundo.
A provocação é própria do caráter de Tânia Rösing, e o semblante sereno que a coordenadora das jornadas literárias exibiu durante a entrevista coletiva da sexta (26), último dia da jornada, minutos antes do encerramento oficial, mostrava que, mais uma vez, o esforço valeu a pena aos olhos de Tânia. “Esse desafio, de formar leitores, e ensiná-los a ler não apenas nos livros, mas em todas as linguagens, é a grande força que diferencia as jornadas de outros eventos.” afirmou, na mesma coletiva, lembrando também que não organiza uma festa, e sim um processo de formação de leitores.
É baseado nesse esforço que a coordenadora se sentiu realizada ao ver participantes, debatedores e jornalistas incomodados – e a razão é a discussão nem tão nova, mas sempre atual, sobre o futuro do livro impresso e seu papel em um mundo cada vez mais governado por novas mídias, tema da jornada deste ano.
O custo de R$ 4,2 milhões estimado pela coordenadora e apresentado na coletiva de imprensa explica também porque, mais uma vez, ela encerra a jornada falando das dificuldades de realização do evento. A diferença é que, este ano, uma Tânia Rösing mais otimista pareceu emergir do encontro final com a imprensa. Em meio às queixas em relação às negociações sempre complicadas com as editoras e as intermináveis burocracias – que, se por um lado colocaram ordem nos processos do Governo Federal (e que ela própria saudou), por outro também atrasou a organização – Tânia encontrou bons motivos para prever mudanças na próxima jornada. Saudou a presença constante do reitor da UPF, José Carlos Carles de Souza, em diferentes momentos da semana de Jornada, bem como da vice-reitora de extensão, Lorena Teresinha Geib. Reiterou, mais de uma vez, a necessidade de profissionalização da equipe de preparação das jornadas e de mudanças na forma de organização, visando descentralizar as decisões e dividir entre mais pessoas tarefas que, hoje, ela abraça por puro amor à Jornada. E, como se estivesse falando das primeiras jornadas, aponta que novos rumos podem surgir no futuro. Basta que, para isso, outras pessoas com recursos e ideias abertas também abracem os ideais da jornada.
– O Pedro Herz, da Livraria Cultura, me disse: Tânia, vocês têm um produto fantástico, e não têm o direito de cessar ele ou não tentar fazer com que ele ocorra em outras cidades do Brasil.
As mudanças que Tânia, sempre vista com incansável pede, são fruto de uma constatação óbvia. “O que eu mais desejo é que as Jornadas continuem acontecendo, mas as pessoas que fizeram as jornadas estão envelhecendo e não temos mais estrutura para continuar assim.” É o pensamento que ocupou boa parte das conversas de bastidores durante a jornada sobre a possibilidade da incansável coordenadora abandonar o barco. Ela refutou de imediato a hipótese. “Dizer que vou sair das jornadas é dizer que vou sair da vida”.
Mudanças podem, portanto, ocorrer nos bastidores da organizaçãoe até mesmo o futuro pode reservar um caráter itinerante à mais democrática festa literária do país, mas a presença de Tânia Rösing é obrigatória – ainda que ela clame que seja “mortal”. Ou, como ela própria afirma, com bom humor, “no momento em que surgir um novo louco como eu, eu passo a bola para ele.”
E foi assim, deixando para trás boatos, reiterando as dificuldades, saudando o empenho dos colaboradores, agradecendo aos divulgadores e esperando por melhorias na organização que Tânia Rosing despediu-se a imprensa. Seria apenas o primeiro “até logo” da noite. O adeus temporário mais emocionante, todos sabem, fica para mais tarde, na lona principal. E aí, até mesmo a incansável Tânia acaba, inevitavelmente, vencida pelas lágrimas.
Em algumas coisas, felizmente, a Jornada de Literatura nunca muda.
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